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Batalha de Ourique

A Batalha de Ourique
in História concisa de Portugal
Prof. José Hermano Saraiva


O facto mais célebre da história dos séculos da luta contra os
Mouros foi a batalha de Ourique, travada em 25 de Julho de 1139,
portanto no ano anterior àquele em que D. Afonso Henriques
começou a utilizar o título de rei.

Há três bons motivos para essa celebridade: o facto, o mito e a
desmistificação.

O facto foi um combate travado com os Mouros numa das incursões
(fossados) que os cristãos frequentemente faziam por terras de
mouros para apreenderem gados, escravos e outros despojos.
Inesperadamente, um exército de Mouros saiu-lhes ao caminho, mas
os cristãos conseguiram vencê-los, apesar de grande inferioridade
numérica.

Milagre de Ourique. 1793, óleo sobre tela, 270 cm x 450 cm, Musée Louis-Philippe du château d'Eu, Eu, França. Quadro de Domingos Sequeira (1768-1837). A batalha de Ourique travou-se em 25 de Julho de 1139, entre as forças portuguesas de D. Afonso Henriques e uma coligação de reis mouros.

Ter-se-ia isto passado nos campos de Ourique, designação medieval
do Baixo Alentejo. Esta localização deu motivo a grandes debates
entre historiadores, que consideram estranho que Afonso Henriques
se aventurasse tão longe, numa altura em que o ponto mais
avançado da fronteira era Leiria. Mas parece que os fossados iam
até muito longe; a 'Vida de S. Teotónio', manuscrito do fim do
século XII, diz que uma vez foi até aos campos próximos de
Sevilha. E no reinado dele o herdeiro do trono foi também saquear
os subúrbios de Sevilha, onde matou tanta gente, diz uma outra
fonte, que as águas do Guadalquivir ficaram da cor do sangue...

Pouco se pode dizer com firmeza sobre a batalha. Há certamente
relação entre Ourique e a situação militar que no Verão de 1139
se verificava na Península. Afonso VII reunira todas as forças
cristãs para a conquista de Aurélia, cidade de decisiva
importância estratégica sobre o Tejo, não longe de Toledo. Mas a
cidade defendia-se e pedia a ajuda de todos os reinos muçulmanos
da Península; um enorme exército foi organizado para a sua
defesa, e entre Afonso VII e os defensores de Aurélia fez-se um
acordo: se o exército de socorro chegasse dentro de certo prazo,
ele levantaria o cerco sem luta; no caso contrário, a cidade
entregar-se-ia sem combater. Ora, foi esse exército de socorro
que, inexplicavelmente, em vez de se dirigir a Aurélia, perseguiu
a hoste de D. Afonso Henriques. A tortuosa diplomacia da guerra
tinha incidentes desses, e o hábil Afonso VII pode ter manobrado
por forma a jogar os adversários de fé sobre um adversário
político. Uma tal hipótese explicaria a associação (que desde o
século XV aparece documentada) entre as circunstâncias da batalha
e os trinta dinheiros de Judas. Infelizmente, nessas penumbras
lendárias não se podem definir conclusões seguras.

Todas as fontes são concordes em salientar o elevadissimo número
de mouros, mas o exagero fazia parte das descrições desse género.
Um texto fala de dez mil, outros em quarenta mil. Mais tarde, os
cronistas portugueses acrescentaram um zero à cifra mais alta e
fixaram o número de quatrocentos mil. Mas não há dúvida de que
esta façanha causou, no seu tempo, muita sensação. Muitos anos
depois, os funcionários do Rei, que procediam a uma investigação
e para isso interrogavam as pessoas mais velhas de uma aldeia,
ouviram um homem muito idoso e perguntaram-lhe quantos anos
tinha. Ele respondeu que não sabia, mas que se recordava que, no
tempo da guerra de Ourique, era um jovem de vinte anos.

Foi a partir deste núcleo central que se desenvolveu um mito que
teria a maior importância na história portuguesa.

Não se sabe quando apareceu a ideia do milagre. É difícil que não
tenha sido no próprio dia da batalha. Por coincidência,
tratava-se do dia em que a Igreja celebra a festa de Sant'Iago, o
apóstolo de Compostela que a lenda popular tinha, já nessa
altura, transformado em patrono dos cristãos na guerra contra os
Mouros; um dos nomes populares pelo qual era conhecido era,
precisamente, o de Matamoros. Ora Sant'Iago era um especialista
em situações daquele género. Sobretudo quando se tratava do seu
dia, não deixava de montar num cavalo branco e vir ajudar os
cristãos. A fama desses milagres era grande principalmente na
Galiza, mas chegara até Portugal. A gente de Coimbra sabia isso
muito bem; quando Fernando I de Leão conquistara a cidade aos
Mouros, o Matamoros lá apareceu, porque a conquista foi no seu
dia. O facto não tinha sido esquecido; os pregadores
lembravam-no. Na colecção de minutas dos sermões de Frei Paio, um
grande pregador de Coimbra no século XIII, há uma que tem
precisamente esse tema. Mas não foi ele quem o inventou, porque
um texto do princípio do século XII, o 'Cronicão Silense', já o
descreve.

Sant'Iago, o Matamoros

Na sua primeira fase, o milagre de Ourique deve ter sido portanto
apenas um dos muitos milagres do ciclo de Sant'Iago. É admissível
que com isso se relacionem as lápides encontradas em Portugal em
que se vê o santo a cortar cabeças de mouros, uma das quais veio
mais tarde a ser adoptada como brasão da cidade de Évora. São em
tudo semelhantes às que, em vários lugares da Galiza, recordam
milagres também semelhantes. Há porém em uma delas uma diferença
curiosa: no céu, por cima da espada do santo, paira o escudo das
cinco quinas, emblema que a lenda desde cedo ligou a Ourique. E
nas primeiras referências portuguesas ao milagre há alusão a
Sant'Iago: a vitória obteve-se mercê do auxílio divino e do
"patrocínio de Sant'Iago, cujo dia era", diz a 'Vida de S.
Teotónio'.

Mas o Matamoros estava condenado a desaparecer da lenda. Durante
a guerra com Castela fez-se patrono dos nossos inimigos e foi
preciso substituí-lo por S. Jorge, que os ingleses nos
emprestaram. Não era admissível atribuir a um santo
castelhanizado a vitória da qual se tinha feito a origem de uma
independência que nessa época se definia por oposição a Castela.
O primeiro relato completo do milagre aparece na crónica dos sete
primeiros reis de Portugal, escrita em 1419. A fonte é a 'Vida de
S. Teotónio': D. Afonso Henriques procura animar os seus,
dizendo-lhes que Deus os ajudaria, e Sant'Iago, "cujo dia hoje
é", seria o nosso conde. Mas depois desenvolve a história
atribuindo o milagre exclusivamente a Cristo. A versão de 1419 é
a fonte das posteriores, mas nelas Sant'Iago deixa de ter
intervenção.

À primeira metamorfose da lenda, nascida do anticastelhanismo do
século XV, segue-se uma lenda, inspirada pelo antiespanholismo do
século XVII. A lenda é desenvolvida e autenticada por
«instrumentos jurídicos» fabricados em Alcobaça. Ourique serve a
partir daí de argumento político: a intervenção pessoal de Deus
era a prova da existência de um Portugal independente faz parte
da ordem divina, e portanto eterna, do mundo. Durante todo o
domínio filipino a lenda ganhou raiz popular e serviu de credo à
resistência.

Um terceiro motivo para a celebridade é o escândalo provocado
pela desmistificação. Já muito antes de Herculano a realidade
histórica do facto tinha sido negada; fê-lo, por exemplo, Luís
António Verney no 'Verdadeiro Método de Estudar', publicado em
1746, exactamente cem anos antes do primeiro volume da 'História
de Portugal'. Mas nessa altura não se verificava a situação de
explosiva confrontação cultural que se seguiu ao liberalismo e a
impiedade não causou protestos. Herculano ousou chamar "fábula" à
lenda e com isso desencadeou uma reacção extremamente violenta,
durante a qual foi acusado de inimigo da fé e da verdade, de
detractor das glórias nacionais. Em resposta a esses ataques
publicou opúsculos que ficaram famosos: 'Eu e o Clero', 'Solemnia
Verba', etc. Essa polémica, que se prolongou durante muito tempo,
ficou quase tão célebre como a batalha e é bom exemplo do tipo
das preocupações e preconceitos que marcavam o horizonte cultural
português ainda há pouco mais de um século.

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